Um ritual de iniciação

Recordo-me agora do meu primeiro dia de aula na faculdade, já que estou às vésperas de concluir minha graduação. Tudo era novidade: estrutura curricular, prédio, colegas, professores... Pouca coisa ali me fazia lembrar a escola onde havia estudado quase todo o período de Educação Básica.
Uma senhora que aparentava ter uns 50 anos de idade, de baixa estatura, usando óculos, uma bolsa enorme e alguns livros nos braços entrou na sala de aula e cumprimentou-nos secamente. Apresentou-se como professora de História da Cultura e Sociedade, falou-nos sobre as dificuldades que teríamos em sua disciplina, apontou para alguns alunos que foram reprovados por ela no período anterior. Nem precisa dizer que nós, calouros, entreolhava-nos silenciosamente - sentimentos vários podiam ser percebidos em nossos olhares. Eu pensava: "Será que todos os nossos professores são assim?" - mais tarde saberia que quase toda a turma pensou algo semelhante.
Bem, a aula tinha que prosseguir. A professora perguntou-nos se tínhamos tirado cópia do texto que seria usado naquele dia. Com ar de quem está se sentindo um peixe fora d'água respondemos que não. Pediu-nos, então, que anotássemos o nome do texto. Caneta e papel em mãos, esperamos que ela dissesse o nome do bendito texto. Só que era um título em francês... Alguém pediu que ela soletrasse. "Vocês não entendem a língua francesa?" - indagou-nos com ar de superioridade. A resposta foi negativa. Então perguntou se tínhamos, pelo menos um dicionário Francês-Português. Uns poucos alunos afirmaram ter um. Uma colega perguntou se seríamos obrigados a comprar o dicionário. Lembro-me muito claramente que a professora ergueu uma das sobrancelhas e respondeu: "É claro! Vocês estão na universidade e não sabem que a França é o berço da cultura e da civilização?" Fez-se silêncio.
Demonstrando irritação pediu que alguém recolhesse entre os alunos o dinheiro para tirar cópia do texto que deveria ser usado ainda naquela aula. Acho que custaria R$3,00, não me recordo com certeza desse detalhe. Um rapaz - que era um dos que foram apontados como reprovados no semestre anterior - ofereceu-se para fazer as cópias. Grande maioria dos alunos, já que mal sabia onde tirar cópias na faculdade, dava o dinheiro a ele e assinava uma folha para receber o texto assim que ele retornasse à sala. Enquanto isso, ela pediu que fizéssemos uma resenha crítica sobre sobre a influência da globalização nas culturas pós-modernas. Quase ninguém entendeu o que era para fazer, mas todo mundo começu a escrever. Mais uma vez, silêncio absoluto.
O aluno que foi tirar cópia volta em menos de cinco minutos acompanhado por mais alguns alunos e por uma mulher jovem, de cabelos claros e bem vestida. Entraram na sala rindo alto. Foi aí que nos informaram que acabávamos de cair num trote de boas vindas. A tal professora que nos "aterrorizou" não era professora, era só uma aluna do curso. A verdadeira professora de História da Cultura e Sociedade acabara de entrar na sala com eles. Quanto ao dinheiro que conguiram com a turma, disseram que usariam para fazer um churrasco e nos avisariam a data posteriormente. Todos rimos da situação patética. Aliás, até hoje quando o assunto surge nós rimos. E assim foi meu primeiro dia como universitária.


Se você leu tudo isso que escrevi aqui, talvez esteja se perguntando porque detalhei uma situação passada. Quem acompanha o noticiário sabe que todos os anos se repetem as notícias de trotes violentos. É tanta violência e brutalidade sem nenhuma razão que me questiono e fico pensando em que ponto o ser humano perdeu a noção do respeito ao seu semelhante. Não consigo vislumbrar lógica em uma pessoa agredir física ou moralmente alguém que tem objetivos acadêmicos e profissionais muito próximos aos seus. Não quero com isso dizer que outros tipos de agressão cometidos por universitários contra quem não pertença ao universo acadêmico sejam justificáveis, deixo claro. Mas, até quando assistiremos sonhos de quem pretende fazer um curso superior se desfazerem tristemente por uma minoria que se impõe pela força e pela intimidação?

11 comentários :

Siento que me miran de cerca disse...

E detalhamento de uma situação passada, não deixa de ser um conto
Adoro contos =D

Aqui te deixo um convite para que possa ler alguns de meus contos
http://sientoquememirandecerca.blogspot.com/

E parabéns pelo blog, muito fofu

Até

Anônimo disse...

realmente e infelizmente o pessoal exagera nos trotes e sempre acaba passando dos limites, bjus gata

Blogueira Master disse...

O q vc descreveu é a famosa aula-trote, muito legal!!!! :)) Qto aos trotes violentos, eu não sei como um ser humano consegue ser covarde e cruel com outro, vai entender... Isso, definitivamente, precisa ser coibido... Mas é tudo uma bagunça sem fim, nada funciona nesse país... Bjs

Bird disse...

Ih,li o texto inteiro porque em parte me identifiquei com a sua situação. Meu primeiro dia na faculdade foi próximo [menos a parte da professora chata. o prof. foi super gente fina]. Ao final do texto fico sabendo que se tratava de um trote...mas foi bem engraçado. Deveriam fazer trotes desse tipo e não com as bebedeiras como vemos nos jornais..

Anônimo disse...

Olá Cintia!! Na faculdade que estou agora (ingressei este ano no curso de letras/inglês), já tenho outros 2 cursos superiores) alguns cursos fazem trote com os alunos. Eu vi algumas acadêmicas com os rostos pintados, não sei de que curso eram. Segundo um professor (que foi meu colega de graduação) o curso de letras não promove trotes mais. Quando ingressei no curso de letras/espanhol (isto em 2002) fizeram um trote onde alguns alunos tiveram até dente quebrado, eu não participei porque enfrentei uma professora (se fosse professor faria o mesmo) que queria barrar a saída dos acadêmicos, pena que ninguém fez o mesmo. Ano passado no curso de filosofia tivemos (eu fiz algum tempo este curso) o que você teve, ou seja, a chamada aula trote. Já tinha ouvido falar isto de um amigo que hoje é médico. Aula trote é algo sadio!!! Não param as notícias sobre tais atrocidades, hj mesmo (13/02/2008) noticiou mais um. Obrigado por ter visitado meu blog e ter deixado o seu comentário, coicncidência ou não escrevemos sobre o mesmo assunto no mesmo dia. Um abraço.

Anônimo disse...

Bem confortante seu texto!...
vc terminando sua graduação e eu començnado no munda na faculdade!
Boa Sorte para nos! :*

Unknown disse...

Cintia que máximo o seu texto, e legal o trote do seu primeiro dia,é muito triste ver que pessoas que deveriam estar dando exemplo se postarem como animais eu disse triste?É uma vergonha!
Beijos tenha um excelente final de semana!

- Moisés Correia - disse...

O sol acende a tímida luz do dia
E embarco na viagem que nunca faço…
Abraço manhãs no ceio da chuva fria
Desbravo os ventos em trilhos do acaso

Grato estou pelo comentário
No meu “pensamentos”…
Que adormecem
Ao relento do alento
E enriquecem
Meus esplêndidos momentos

Um resto de um bom fim-de-semana

O eterno abraço…

-MANZAS-

Juliany Alencar disse...

Quando entrei na facul, o trote também foi uma brincadeira super light. Só mesmo para os veteranos zuarem com os calouros e arrecadarem dinheiro.

O que acontece é que existe muuuuuuita gente sem noção por aí. E eu me assusto com isso porque parece que para algumas pessoas não há limites. Tratar o ser humano com respeito deixou de ser uma máxima. Enfim, poderia ficar aqui escrevendo a noite inteira sobre a minha indignação...

Unknown disse...

É, de fato, meu trote não chegou a ser violento, mas voltei para casa cheirando a ovo e espirrando farinha, sem contar que meu cabelo de castanho passou a ser azul/verde/vermelho.. Enfim, coisas da vida! ;)

Isabella disse...

Ah, o ultimo comentário foi meu, caso não se lembre, pois respondi sem estar logada. haha!

Beijao!

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